quinta-feira, 16 de maio de 2013

Redução da Maioridade Penal no Brasil

A redução da maioridade penal: tema do momento - José Carlos de Oliveira Robaldo


A redução da maioridade penal, como dizia o grupo musical Mamonas Assassinas, é o tema “da hora”. Na imprensa se vê todos os dias artigos, entrevistas e debates sobre esse assunto. A maioria defendendo e poucos contestando (entre estes últimos, nós nos incluímos). De fato, o tema tem chamado a atenção. Tanto é verdade que nas três palestras que faremos nos próximos dias – na UFGD, na OAB de Bela Vista e no curso de direito da faculdade Salesiana de Corumbá-MS –, esse foi o tema escolhido.

Os defensores da tese da redução da maioridade, como fez o médico e ex-prefeito de Campo Grande-MS Nelson Trad Filho, o advogado paulista Rogério Gandra Martins (Folha de S. Paulo, Tendências/Debates, 13.5.13, p. A3), entre outros, recorrem aos fundamentos científicos da incapacidade de discernimento (entendimento) utilizados pela nossa legislação penal e, inclusive, pela própria Constituição Federal, para defenderem os seus pontos de vista.

De fato, o nosso sistema penal não pune o menor de 18 anos de idade, apoiado no entendimento científico de que a pessoa nessa faixa etária ainda não atingiu a maturidade suficiente para optar entre o certo e o errado, daí a sua condição de inimputabilidade absoluta. Isto é, não se admite tese em contrário. Não pode ser punida porque ainda não tem capacidade suficiente para administrar os seus atos. Na verdade, nos dias atuais, isso não passa de uma falácia. Pode até se admitir que ainda não atingiu totalmente a maturidade, mas que já possui capacidade para separar o joio do trigo, isso não se discute. Isso, lá nos idos da década de 40 do século passado, quando da elaboração do nosso Código Penal, talvez fosse verdade. Hoje, a realidade é outra.

O advogado Rogério Gandra Martins, na defesa do seu entendimento, até com certa ironia, afirma inclusive que “...o menor pode por si só entender as complexidades de um contrato de compra e venda, mas não consegue ‘discernir plena-mente’ o que é um homicídio ou não, e caso o pratique será totalmente inimputável...”.

Esquecem os defensores da tese reducionista que a discussão deve ser alinhada não pelo enfoque científico, mas sim pela perspectiva prática, da efetividade. O que a sociedade efetivamente quer é a punição e consequente diminuição da violência praticada tanto pelos menores como pelos maiores de 18 anos. A sociedade quer um mínimo de tranquilidade e segurança para viver em paz, nada mais que isso. Que isso é dever do Estado, também não se discute.

Com efeito, é importante ter em mente que, para a população, a redução da maioridade penal será mais um engodo, sem considerar o caos que trará ao nosso já falido sistema prisional. Ora, o Estado não está tendo capacidade para lidar com os infratores maiores de 18 anos, o que seria com um “mercado de oferta” ainda maior? Apenas para lembrar, atualmente estamos com cerca de 550 mil presos. Temos pouco mais de 200 mil vagas no sistema prisional, sem considerar que temos entre 150 a 200 mil mandados de prisão a serem cumpridos. O sistema não pune, não recupera. Ao contrário, aperfeiçoa para a criminalidade. Os PCCs da vida que o digam.

Impõe-se que sejamos realistas. A redução da maioridade penal, como se apregoa, não trará a contenção da violência como se deseja. E o que é pior, colocar menores de 18 anos no sistema prisional que temos agravará mais ainda o grau de violência.

A solução não é o Direito Penal, e sim, ao lado de outras políticas públicas adequadas, cumprir o ECA, talvez até mesmo aumentando o prazo de duração de internação para os crimes graves. Porém, para poder cumpri-lo, o primeiro passo é criar estrutura adequada nos estabelecimentos para tal, não os transformando em “depósitos” de menores infratores, como a realidade tem demonstrado.

Temos que ter em mente dois pontos cruciais: de um lado que a lei em si não resolve nenhum problema e, de outro, que os menores abandonados e infratores serão as principais matérias-primas da violência.


Procurador de Justiça aposentado. Mestre em Direito Penal pela Universidade Estadual Paulista-UNESP. Advogado. Professor universitário. Professor da Esmagis-MS. Representante do sistema de ensino telepresencial LFG, em Mato Grosso do Sul. Ex-Conselheiro Estadual de Educação. Sul. E-mail jc.robaldo@terra.com.br





Redução da maioridade penal - José Heitor dos Santos 


No Brasil, a maioridade penal já foi reduzida: Começa aos 12 anos de idade. A discussão sobre o tema, portanto, é estéril e objetiva, na verdade, isentar os culpados de responsabilidade pelo desrespeito aos direitos e garantias fundamentais da criança e do adolescente, previstos na Constituição Federal.

O maior de 18 anos de idade que pratica crimes e contravenções penais (infrações penais) pode ser preso, processado, condenado e, se o caso, cumprir pena em presídios. O menor de 18 anos de idade, de igual modo, também responde pelos crimes ou contravenções penais (atos infracionais) que pratica.

Assim, um adolescente com 12 anos de idade (que na verdade ainda é psicologicamente uma criança), que comete atos infracionais (crimes), pode ser internado (preso), processado, sancionado (condenado) e, se o caso, cumprir a medida (pena) em estabelecimentos educacionais, que são verdadeiros presídios.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao adotar a teoria da proteção integral, que vê a criança e o adolescente (menores) como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, necessitando, em conseqüência, de proteção diferenciada, especializada e integral, não teve por objetivo manter a impunidade de jovens, autores de infrações penais, tanto que criou diversas medidas sócio-educativas que, na realidade, são verdadeiras penas, iguais àquelas aplicadas aos adultos.

Assim, um menor com 12 anos de idade, que mata seu semelhante, se necessário, pode ser internado provisoriamente pelo prazo de 45 dias, internação esta que não passa de uma prisão, sendo semelhante, para o maior, à prisão temporária ou preventiva, com a ressalva de que para o maior o prazo da prisão temporária, em algumas situações, não pode ser superior a 10 dias. Custodiado provisoriamente, sem sentença definitiva, o menor responde ao processo, com assistência de advogado, tem de indicar testemunhas de defesa, senta no banco dos réus, participa do julgamento, tudo igual ao maior de 18 anos, mas apenas com 12 anos de idade. Não é só. Ao final do processo, pode ser sancionado, na verdade condenado, e, em conseqüência, ser obrigado a cumprir uma medida, que pode ser a internação, na verdade uma pena privativa de liberdade, em estabelecimento educacional, na verdade presídio de menores, pelo prazo máximo de 3 anos.

A esta altura, muitos devem estar se perguntando: Mas a maioridade penal não se inicia aos 18 anos de idade?

Sim e não!

A Constituição Federal (art. 228) e as leis infraconstitucionais, como por exemplo o Código Penal (art. 27), o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 104) dizem que sim, ou seja, que a maioridade penal começa aos 18 anos, contudo o que acontece na prática é bem diferente, pois as medidas sócio-educativas aplicadas aos menores (adolescentes de 12 a 18 anos de idade) são verdadeiras penas, iguais as que são aplicadas aos adultos, logo é forçoso concluir que a maioridade penal, no Brasil, começa aos 12 anos de idade.

Vale lembrar, nesse particular, que a internação em estabelecimento educacional, a inserção em regime de semiliberdade, a liberdade assistida e a prestação de serviços à comunidade, algumas das medidas previstas no Estatuto da Criança e do adolescente (art. 112), são iguais ou muito semelhantes àquelas previstas no Código Penal para os adultos que são: prisão, igual à internação do menor; regime semi-aberto, semelhante à inserção do menor em regime de semiliberdade; prisão albergue ou domiciliar, semelhante a liberdade assistida aplicada ao menor; prestação de serviços à comunidade, exatamente igual para menores e adultos.

É verdade que ao criar as medidas sócio-educativas, o legislador tentou dar um tratamento diferenciado aos menores, reconhecendo neles a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. Nessa linha, as medidas deveriam ser aplicadas para recuperar e reintegrar o jovem à comunidade, o que lamentavelmente não ocorre, pois ao serem executadas transformam-se em verdadeiras penas, completamente inócuas, ineficazes, gerando a impunidade, tão reclamada e combatida por todos.

No processo de sua execução, esta é a verdade, as medidas transformam-se em castigos, revoltam os menores, os maiores, a sociedade, não recuperam ninguém, a exemplo do que ocorre no sistema penitenciário adotado para os adultos.

A questão, portanto, não é reduzir a maioridade penal, que na prática já foi reduzida, mas discutir o processo de execução das medidas aplicadas aos menores, que é completamente falho, corrigi-lo, pô-lo em funcionamento e, além disso, aperfeiçoá-lo, buscando assim a recuperação de jovens que se envolvem em crimes, evitando-se, de outro lado, com esse atual processo de execução, semelhante ao adotado para o maior, que é reconhecidamente falido, corrompê-los ainda mais.

O Estado, Poder Público, Família e Sociedade, que têm por obrigação garantir os direitos fundamentais da criança e do adolescente (menores), não podem, para cobrir suas falhas e faltas, que são gritantes e vergonhosas, exigir que a maioridade penal seja reduzida. 

Para ilustrar, vejam quantas crianças sem escola (quase três milhões) e sem saúde (milhões) por omissão do Estado; quantas outras abandonadas nas ruas ou em instituições, por omissão dos pais e da família; quantas sofrendo abusos sexuais e violências domésticas por parte dos pais e da família; quantas exploradas no trabalho, no campo e na cidade (cerca de 7,5 milhões), sendo obrigadas a trabalhar em minas, galerias de esgotos, matadouros, curtumes, carvoarias, pedreiras, lavouras, batedeiras de sisal, no corte da cana-de-açúcar, em depósitos de lixo etc, por ação dos pais e omissão do Estado.

A sociedade, por seu lado, que não desconhece todos estes problemas, que prejudicam sensivelmente os menores, não exige mudanças, tolera, aceita, cala-se, mas ao vê-los envolvidos em crimes, muito provavelmente por conta destas situações, grita, esperneia, sugere, cobra, coloca-os em situação irregular e exige, para eles, punição, castigo, internação, abrigo em instituições.

Ora, quem está em situação irregular não é a criança ou o adolescente, mas o Estado, que não cumpre suas políticas sociais básicas; a Família, que não tem estrutura e abandona a criança; os pais que descumprem os deveres do pátrio poder; a Sociedade, que não exige do Poder Público a execução de políticas públicas sociais dirigidas à criança e ao adolescente. 

O sistema é falho, principalmente o da execução das medidas sócio-educativas, para não dizer falido, mas o menor, um ser em desenvolvimento, que necessita do auxílio de todos para ser criado, educado e formado, é quem vem sofrendo as conseqüências da falta de todos aqueles que de fato e de direito são os verdadeiros culpados pela sua situação de risco.

Não bastasse isso, o que, por si só, já é extremamente grave, pretendem alguns reduzir a maioridade penal, tentando, com a proposta, diminuir sua culpa e eliminar os problemas da criminalidade, esquecendo-se, porém, além de tantos outros aspectos, que metade da população é composta de crianças e adolescentes, os quais, contudo, são autores de apenas 10% dos crimes praticados.

A proposta de redução busca encobrir as falhas dos Poderes, das Instituições, da Família e da Sociedade e, de outro lado, revela a falta de coragem de muitos em enfrentar o problema na sua raiz, cumprindo ou compelindo os faltosos a cumprir com seus deveres, o que é lamentável pois preferem atingir os mais fracos - crianças e adolescentes -, que muitas vezes não têm, para socorrê-los, sequer o auxílio da família.

Por estes motivos e outros, repudiamos a proposta de redução da maioridade penal, que, se vingar, configurará um "crime hediondo", praticado contra milhões de crianças e adolescentes, que vivem em situação de risco por culpa não deles mas de outros que estão tentando esconder suas faltas atrás desta proposta, que, ademais, se aprovada, não diminuirá a criminalidade, a exemplo do que já ocorreu em outros países do Mundo. 

Promotor de Justiça no Estado de São Paulo
Mestre em Direito Público
Professor de Direito Processual Civil na Unip, no Estado de São Paulo
Sócio-fundador da AREJ – Academia Riopretense de Estudos Jurídicos 



"“o indivíduo pode desejar vingança em seu íntimo, o Estado não pode ser vingativo em seus atos.”




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