domingo, 18 de agosto de 2013

Egito

Crise no Egito : Pouco mais de um ano após tomar posse, presidente é deposto


Carolina Cunha - Do UOL, em São Paulo02/08/201312h00


3.jul.2013 - Praça Tahrir, no Cairo, Egito, tem fogos de artifício após declaração do chefe das Forças Armadas, general Abdel Fattah al-Sisi, da destituição do presidente Mohamed Mursi

Depois da renúncia do presidente Hosni Mubarak, em 2011, motivada por intensos protestos no país contra seus 33 anos de governo, e de eleger um novo presidente, Mohamed Mursi, a instabilidade política voltou a abalar o Egito no início de julho de 2013. Mursi foi deposto pelas Forças Armadas e foi substituído temporariamente pelo presidente da Suprema Corte Constitucional, Adly Mansour, 68. A Constituição também foi suspensa.


EGITO EM TRANSE


Entenda as crises no Egito

Antecedendo a deposição do presidente, milhares de manifestantes voltaram às ruas das principais cidades do Egito pedindo a saída de Mursi do poder, entrando em conflito com policiais e apoiadores do governo. No Cairo, o epicentro das manifestações foi a praça Tahrir, que reuniu a maior manifestação popular desde a queda de Mubarak.

Mursi foi levado para um local isolado, dentro do Egito, onde não pode se comunicar com o mundo externo, mas tem acesso a jornais e televisão. O viés islâmico do governo levou ao descontentamento de parte a população que o elegeu com maioria dos votos (51,7%) nas eleições de junho de 2012. Apoiado pelo partido Irmandade Muçulmana (grupo do qual se originou a facção muçulmana Hamas), Mursi foi o primeiro presidente islamita do Egito. O grupo acusa os militares de reverterem o movimento de revolta que conduziu o Egito à democracia.

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A relação entre o governo e a população não islâmica começou a ficar mais delicada em dezembro de 2012, devido a dois episódios. No primeiro, Mursi elaborou um decreto para dar maiores poderes a si mesmo. Entre os tais poderes, o decreto concedia a ele decisões de imunidade judicial e impedia as cortes de dissolver a assembleia constituinte e a câmara alta do Parlamento. A decisão foi alvo de muitos protestos, obrigando-o a recuar.

No mesmo mês foi aprovada a nova Constituição do país, com 63,8% dos votos. O comparecimento às urnas foi baixo, e a maioria de votantes era de seguidores do partido Irmandade Muçulmana. A partir daí, a situação ficou delicada para o novo presidente, que deu pouco espaço aos militares em seu governo e não tinha neles grandes aliados.

Outro fator que pode ter colaborado para a deposição de Mursi é uma acusação por conspiração apresentada pela Procuradoria Geral do Egito. Ele teria agido em conjunto com o grupo militante palestino Hamas e homicídio durante sua fuga da prisão em 2011, o que deixou 14 guardas mortos.

Rico em petróleo, o Egito é o país árabe mais populoso, com pouco mais de 82 milhões de habitantes, e embora a maioria da população seja muçulmana, há grupos de cristãos e de cristãos coptas. Tais grupos protagonizaram violentos confrontos em 2012, devido às diferenças religiosas e à discriminação dos cristãos.
Novo grupo de manifestantes

A maior parte dos manifestantes que pedia a saída de Mursi integra um novo grupo popular no país, chamado de Tamarod. A palavra significa 'rebelde' em árabe.

Até junho deste ano, pouco antes da deposição de Mursi, o grupo alegava ter recolhido cerca de 22 milhões de assinaturas pedindo a saída do presidente do poder. O grupo deu um ultimato para que ele deixasse o cargo no início de julho ou iniciariam uma onda de protestos violentos no país.

Com páginas em redes sociais, o grupo tornou-se figura presente em todos os protestos, se manifestando em semáforos e bloqueando ruas para entregar petições. Entre as reclamações contra Mursi estavam: a falta de segurança desde a revolução de 2011, o pedido de empréstimo de US$ 4,8 bilhões (cerca de R$ 10,7 bilhões) feito ao FMI (Fundo Monetário Internacional) para sanar dívidas públicas, a falta de justiça para os mortos pelas forças de segurança durante os confrontos e a ideia de que o Egito estaria seguindo a cartilha dos Estados Unidos.
Governo transitório e o futuro político

No dia 16 de julho de 2013, Adly Mansour, presidente interino do Egito, empossou seu gabinete provisório. O novo governo é liderado pelo primeiro-ministro Hazem el-Beblawi, tendo como vice o general Abdel-Fattah el-Sissi, que acumula o cargo de ministro da Defesa desde o governo Mursi. Na composição do gabinete, nenhum representante da ala islamita foi chamado.

Para o cargo de vice-presidente interino, Mansour nomeou Mohamed El-Baradey, derrotado nas urnas por Mursi e que se tornou líder da oposição ao governo. A composição de um governo provisório não cessou os protestos nas ruas. Os confrontos entre os apoiadores islâmicos e as Forças Armadas chegaram a deixar 50 mortos em uma só noite. Ainda é esperado do novo governo o anúncio dos principais pontos para elaborar a nova Constituição e de um cronograma para novas eleições presidenciais.
Entenda a crise no Egito

O país vive um clima de instabilidade política há pelo menos dois anos e meio, desde a renúncia do presidente Hosni Mubarak, em 11 de fevereiro de 2011, após 33 anos de um governo ditatorial, onde o presidente era escolhido pelos militares.

A renúncia foi resultado de uma revolta popular que ocupou as ruas das principais cidades do país. Nas duas semanas que antecederam a renúncia de Mubarak, cerca de 300 pessoas morreram em confrontos com as forças de segurança durantes as manifestações.

Mubarak foi o segundo presidente dos países da Primavera Árabe, termo criado para agrupar os países cuja população foi a rua protestar contra governos ditatoriais e que estavam há décadas no poder, a cair. Zini El Abidine Ben Ali, presidente da Tunísia, onde as manifestações tiveram início, foi o primeiro a cair fugindo do país.

Em um discurso um dia antes da renúncia, Mubarak transferiu seus poderes para o vice-presidente, Omar Suleiman, e afirmou que não disputaria as próximas eleições.

Após um longo julgamento com a saúde debilitada –Mubarak chegou a comparecer ao tribunal numa maca-, ele e seu ex-ministro do Interior, Habib al-Adly, foram considerados culpados e condenados à prisão perpétua em 2012 acusados de serem cúmplices no assassinato dos manifestantes. Depois de apelarem, no início de 2013 a justiça garantiu a eles o direito a um novo julgamento que deve acontecer em agosto.

A crise provou uma queda no turismo do país, conhecido pelas famosas pirâmides, como as de Gizé e a Grande Esfinge, e as múmias no Museu Egípcio do Cairo. A melhora do setor, que estava sendo projetada para o primeiro semestre de 2013, foi novamente abalada com nova crise.

DIRETO AO PONTO

O presidente do Egito Mohamed Mursi foi deposto do governo pelos militares no dia 3 de julho de 2013, após ficar pouco mais de um ano no poder. Mursi era o sucessor de Hosni Mubarack, que governou o país durante 33 anos e renunciou devido aos protestos populares em janeiro de 2011.

Mursi foi deposto depois que um grande número de manifestantes saiu às ruas do país pedindo sua saída decido ao viés islâmico que ele estava dando ao governo.

No dia 16 de julho de 2013, Adly Mansour, presidente interino do Egito, empossou seu gabinete provisório, que governará o país até que novas eleições e os pontos principais para a elaboração da nova Constituição sejam anunciados.

Bibliografia
Paz e Guerra no Oriente Médio: A Queda do Império Otomano e a Criação do Oriente (Contraponto): livro do historiador David Fromkin que conta a história da formação dos países árabes, essencial para entender o panorama político atual na região.
O Atlas do Oriente Médio - O Mapeamento de todos os conflitos (Publifolha): livro escrito por Dan Smith que explica as guerras no Oriente Médio desde o Império Otomano até os dias atuais, contextualizando os confrontos na política internacional.



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“Não se trata mais de ser pró ou contra Morsi, mas de ser pró ou contra a humanidade.”



Uma ativista egípcia reflete sobre a violência crescente em seu país.
Este texto foi publicado originalmente no site DW.


Em meados de 2012, a ativista egípcia Nihal Saad Zaghloul iniciou o Movimento Bassma (“estampa”, ou “marca”, em árabe) para ajudar a acabar com casos de assédio sexual e agressão nas ruas do Cairo.


Em entrevista à DW, ela diz agora que os resultados dos atuais massacres só irão trazer mais sofrimento e violência às ruas e que os manifestantes islâmicos não deverão permanecer nas prisões, como aconteceu na década de 1990.


Eles continuarão a lutar e procurarão vingança, afirmou a ativista, dizendo que seu grande medo é que uma guerra civil se instaure no país. Abaixo, a íntegra da entrevista.


Como você vivenciou os acontecimentos de seu quarto no centro do Cairo, a apenas 10 minutos da praça Rabaa al-Adawiya, onde estava o maior acampamento de protesto da Irmandade Muçulmana?


Acordei com tiros e pessoas gritando na rua que o Exército estava atirando nelas. As pessoas estavam correndo, gritando e chorando. Então comecei a checar [as redes sociais] o Facebook e o Twitter. Foi quando eu soube que o Exército e a polícia estavam atacando – eles começaram às 6h. Por volta das 7h, eles já haviam evacuado completamente o acampamento na praça al-Nahda [outro grande acampamento], e eles ainda estavam tentando dispersar o protesto na praça Rabaa, que fica bem próxima da minha casa. Liguei para os meus amigos e eles disseram que se tratava de um segundo massacre, e que os atiradores estavam disparando sobre eles. E eles me disseram que estavam cercados.


Em resposta à remoção violenta dos acampamentos em Nahda e Rabaa nas primeiras horas da manhã da quarta-feira (14/08), a Irmandade Muçulmana pediu protestos de solidariedade nas ruas nesta quinta. Sua casa fica a apenas 10 minutos do acampamento Rabaa. O que você viu de sua janela?


Havia manifestantes vindo de todos os lados. Assim que as pessoas corriam em direção à minha rua, elas eram alvejadas, de forma que tinham que voltar e não puderam ajudar as outras pessoas no acampamento. O Exército começou a disparar gás lacrimogêneo sobre eles, então alguns deles começaram a pegar pedras e jogá-las na polícia. Os policiais responderam com gás lacrimogêneo, balas de borracha e munição letal.


Enquanto isso, a evacuação do acampamento na praça Rabaa al-Adawiya continua. Que notícias você pôde obter de seus amigos que ficaram presos lá dentro?


Até agora, os irmãos de dois velhos amigos da universidade foram mortos. Um deles tinha 19 anos e o outro era da minha idade, acredito que tinha vinte e poucos anos. Eles foram mortos. Eles não eram terroristas. Eu os conhecia muito bem, eu conheço a família deles. Nós comemos juntos, nós trabalhamos juntos, nós fazemos trabalho voluntário para fazer essa sociedade melhor. Eles não mereciam ter morrido daquela forma.


Você postou uma mensagem no microblog Twitter dizendo que “não se trata mais de ser pró ou contra Morsi. Trata-se, agora, de ser pró ou contra a humanidade.” O que você quis dizer com isso?


Muitas pessoas estavam justificando [a morte de apoiadores da Irmandade Muçulmana]. Mas as pessoas em Rabaa eram seres humanos, eles não eram terroristas, não eram pessoas que praticaram qualquer tipo de vandalismo no passado. Nós não devemos puni-los pelos erros dos outros. Eu não estou dizendo que os manifestantes islamistas fizeram tudo certo, mas ao mesmo tempo eu não posso penalizar alguém pelo crime de outra pessoa. A generalização de que “todos eles são maus” é o que está nos metendo nessa confusão. Quando você vê outro ser humano sendo morto, você não para e pergunta: “Qual a filiação política dele?”, “A que religião ele pertence?”, antes de você decidir se vai ajudar ou não. Era isso que eu queria dizer.


Mesmo sendo uma muçulmana que usa o véu, você criticava o presidente Mohamed Morsi e sua política. Você ficou contente quando a intervenção militar resultou em sua expulsão, no mês passado?


Não. O que eu esperava era que as pessoas iriam derrubá-lo politicamente. Nós estávamos pressionando o governo para que antecipasse as eleições parlamentares. Uma vez que o Parlamento tivesse sido eleito, podia-se fazer pressão sobre ele – sobre os representantes – para retirar Morsi. Era possível ter tido um Parlamento, uma Constituição e tudo mais. Se fomos capazes de mobilizar todas aquelas pessoas em 30 de junho, então teríamos sido capazes de mobilizar pessoas para eleger os candidatos delas.


Você é ativista e protesta há vários anos. Quando você começou a protestar na praça Tahrir, durante a Primavera Árabe em 2011, qual eram as suas esperanças?


Eu ansiava por uma vida melhor, eu ansiava por igualdade, desenvolvimento social e justiça. Essa era a minha esperança.


E onde estão essas esperanças agora?


O resultado desse massacre só vai trazer mais sofrimento e violência às ruas. Violência gera mais violência. Não se pode corrigir um erro com outro erro. Se pensarmos que a Irmandade Muçulmana ou os islamistas voltarão para as prisões, como aconteceu na década de 1990, então estamos errados. Eles continuarão a lutar, e muitas outras pessoas irão morrer.


O que me amedronta é o terrorismo real que virá após o massacre. Gostemos ou não, nós não podemos exterminá-los e muitas pessoas irão querer vingança. Nos últimos 30 anos, o Egito tem sido governado pela força, não pela lei. No Egito, todos – os políticos e os apoiadores desses políticos – estão armados. Haverá uma nova guerra. Tenho medo de uma guerra civil. Eu quero que esse derramamento de sangue chegue ao fim, mas eu não sei como isso vai acabar agora.



fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/nao-se-trata-mais-de-ser-pro-ou-contra-morsi-mas-de-ser-pro-ou-contra-a-humanidade/

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